• Por que a personalidade das pessoas muda (muitas vezes para pior) nas redes sociais?

    Por que a personalidade das pessoas muda (muitas vezes para pior) nas redes sociais?

    Gaia VinceDo Mosaic*

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    Pesquisas recentes revelam que existe um troll dentro de cada um de nĂłs

    Em uma tarde de fevereiro deste ano, a professora Mary Beard postou uma foto no Twitter chorando. A célebre historiadora da Universidade de Cambridge, que tem quase 200 mil seguidores na rede social, estava desolada: após fazer um comentårio sobre o Haiti, ela foi vítima de uma avalanche de insultos.

    "Eu falo com o coração (e, é claro, posso estar errada). Mas o lixo que eu recebo como resposta, não é justo, realmente não é", tuitou.

    Nos dias que se seguiram, Beard recebeu o apoio de diversas personalidades - independentemente de concordarem ou nĂŁo com sua postagem inicial. E vĂĄrias dessas pessoas tambĂ©m viraram alvo de agressĂ”es. Quando uma das crĂ­ticas de Beard, a acadĂȘmica Priyamvada Gopal, de ascendĂȘncia asiĂĄtica, publicou um artigo online em resposta ao tuĂ­te original da historiadora, tambĂ©m recebeu uma enxurrada de ataques.

    Mulheres e representantes de minorias Ă©tnicas sĂŁo desproporcionalmente as maiores vĂ­timas de abusos no Twitter, incluindo ameaças de morte e de violĂȘncia sexual. No caso em que hĂĄ o cruzamento de ambos os indicadores de identidade, o assĂ©dio moral pode se tornar ainda mais acentuado - como mostrou a parlamentar britĂąnica negra Diane Abbott, que recebeu quase metade de todos os tuĂ­tes hostis enviados a deputadas mulheres durante a campanha para as eleiçÔes gerais de 2017 no Reino Unido. Em mĂ©dia, as parlamentares negras e asiĂĄticas receberam 35% mais mensagens imprĂłprias do que suas colegas brancas, mesmo excluindo Abbott do total.

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    A parlamentar Diane Abbott recebeu sozinha quase metade dos tuítes hostis enviados a deputadas antes das eleiçÔes de 2017 no Reino Unido

    O bombardeio constante de ofensas estå silenciando as pessoas, expulsando-as das plataformas digitais e reduzindo ainda mais a diversidade de vozes e opiniÔes online. E não hå sinais de melhora. Uma pesquisa realizada no ano passado descobriu que 40% dos adultos americanos jå sofreram abusos nas redes, sendo que quase metade foi vítima de formas graves de assédio, incluindo ameaças físicas e perseguição. Setenta por cento das mulheres descreveram o assédio online como um "problema sério".

    Retrocesso

    A internet oferece uma promessa sem precedentes de cooperação e comunicação entre toda a humanidade. Mas em vez de abraçarmos a possibilidade de expandir nossos círculos sociais na web, a impressão é de que estamos regredindo ao tribalismo e ao conflito.

    Enquanto na "vida real" costumamos interagir com estranhos de forma educada e respeitosa, no mundo virtual conseguimos ser deteståveis. Como podemos reaprender as técnicas de cooperação que nos permitiram chegar a consensos e evoluir enquanto espécie?

    'NĂŁo pense demais'

    Eu clico e rapidamente passo para a próxima pergunta. Estamos todos correndo contra o tempo. Meus colegas de equipe estão longe e não os conheço. Então, não tenho ideia se estamos todos realmente no mesmo barco ou se estou sendo passada para trås. Mas eu sei que eles dependem de mim.

    Estou participando de um dos chamados "jogos do bem pĂșblico" no LaboratĂłrio de Cooperação Humana da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Os pesquisadores usam esse tipo de jogo como ferramenta para ajudar a entender como e por que cooperamos.

    Ao longo dos anos, os cientistas propuseram diversas teorias sobre a razĂŁo pela qual os humanos colaboram a ponto de formar sociedades fortes. Atualmente, muitos acreditam que as raĂ­zes evolutivas da nossa boa vontade podem estar nas vantagens competitivas para a sobrevivĂȘncia individual encontradas pelo ser humano quando trabalha em grupo.

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    Trabalho em equipe oferece aos seres humanos uma vantagem competitiva

    No jogo, faço parte de uma equipe de quatro pessoas (que estão em locais diferentes). E cada um de nós recebeu a mesma quantia de dinheiro para a partida. Temos de decidir como vamos contribuir para o fundo do grupo, sabendo que o valor total depositado serå dobrado e redistribuído igualmente entre nós.

    Como toda cooperação, esse dilema social baseia-se, de certa forma, em confiar que os outros membros do grupo serão leais. Se todos os integrantes depositarem toda a quantia que receberam, o montante do fundo serå duplicado e dividido por quatro - ou seja, o dinheiro de todo mundo vai dobrar. Todo mundo sai ganhando.

    "Mas se vocĂȘ pensar sob uma perspectiva individualista, cada dĂłlar que vocĂȘ depositou serĂĄ multiplicado por dois e depois dividido por quatro - o que significa que cada pessoa recebe apenas 50 centavos de volta pelo dĂłlar que contribuiu", diz David Rand, diretor do laboratĂłrio.

    Em outras palavras, embora todos fiquem em uma situação melhor em termos coletivos, ao contribuir para um projeto comum que ninguĂ©m poderia administrar sozinho (na vida real, poderia ser um hospital, por exemplo), hĂĄ um custo associado do ponto de vista individual. Financeiramente, vocĂȘ ganha mais dinheiro sendo mais egoĂ­sta.

    RaĂ­zes da generosidade

    Sob a supervisão da equipe de Rand, milhares de pessoas jå participaram do jogo. Metade é instruída a definir o valor da contribuição em 10 segundos, enquanto a outra é encorajada a não ter pressa e a ponderar cuidadosamente a decisão. Acontece que, quando a reação é instintiva, as pessoas são muito mais generosas.

    "HĂĄ muitas evidĂȘncias de que a cooperação Ă© uma caracterĂ­stica central da evolução humana", afirma Rand.

    "Nas sociedades menores, em que nossos ancestrais viviam, todas as interaçÔes eram com pessoas que tornaríamos a ver e com quem voltaríamos a interagir num futuro próximo."

    Esse fator reprimia qualquer tentação de agir de forma agressiva ou de tentar tirar vantagem das contribuiçÔes dos outros.

    EntĂŁo, em vez de ponderar sempre atĂ© que ponto ser gentil favorece nossos interesses no longo prazo, Ă© mais eficaz e requer menos esforço adotar a regra bĂĄsica: tratar bem os outros. É por isso que nossa resposta intuitiva no experimento tende a ser generosa.

    Mas os comportamentos que aprendemos também podem mudar rapidamente.

    Em geral, quem participa da versão contra o relógio dos jogos de Rand é generoso e recebe dividendos elevados, reforçando sua perspectiva altruísta. Jå aqueles que ganham mais tempo para ponderar suas decisÔes são mais egoístas, o que resulta em um fundo comunitårio mirrado e corrobora a ideia de que não compensa confiar no grupo.

    Reprodução do comportamento

    Em outro experimento, com pessoas que jĂĄ tinham participado de uma rodada do jogo, Rand entregou aos jogadores uma quantia de dinheiro e perguntou quanto cada um doaria a um desconhecido anĂŽnimo. Desta vez, nĂŁo havia incentivo. Eles estariam agindo de forma inteiramente caridosa.

    Os participantes que tinham se acostumado a cooperar na primeira fase doaram duas vezes mais do que aqueles que tinham se comportado de maneira egoĂ­sta.

    "Estamos influenciando a vida e o comportamento interno das pessoas", diz Rand. "O modo como eles se comportam, mesmo quando ninguém estå olhando, e quando não hå instituiçÔes para puni-los ou recompenså-los."

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    No QuĂȘnia, onde hĂĄ altos nĂ­veis de corrupção, os jogadores foram inicialmente menos generosos com um desconhecido

    Amostra global

    A equipe de Rand também tem analisado como pessoas de diferentes países jogam, a fim de identificar como a força das instituiçÔes sociais - como governo, família, educação e sistemas jurídicos - influencia a atitude delas.

    No QuĂȘnia, onde a corrupção no setor pĂșblico Ă© alta, os jogadores foram inicialmente menos generosos com o desconhecido do que os participantes dos EUA, onde hĂĄ menos corrupção. Isso sugere que quem conta com instituiçÔes sociais relativamente justas, age com mais senso de coletividade do que aqueles cujas instituiçÔes sĂŁo menos confiĂĄveis.

    No entanto, após uma partida da versão do jogo que promove a cooperação, a generosidade dos quenianos se igualou à dos americanos. E o inverso também aconteceu: americanos condicionados a serem egoístas doaram muito menos.

    Portanto, pode haver algo na cultura das redes sociais que possa encorajar um comportamento mesquinho. Ao contrĂĄrio das sociedades de caçadores-agricultores, que dependiam da cooperação para sobreviver e tinham regras para compartilhar alimentos, por exemplo, as mĂ­dias digitais sĂŁo instituiçÔes fracas. Oferecem distĂąncia fĂ­sica, um grau de relativo anonimato e pouco risco para a reputação, assim como de punição para quem apresenta comportamentos imprĂłprios. Se vocĂȘ for cruel, ninguĂ©m que vocĂȘ conhece vai ficar sabendo.

    Por outro lado, vocĂȘ pode escolher dar uma opiniĂŁo que beneficie seu posicionamento perante seu cĂ­rculo social. No Crockett Lab de Yale, por exemplo, os pesquisadores estudam como as emoçÔes sociais sĂŁo transformadas na internet - em particular, a indignação moral.

    Estudos com base em imagens do cĂ©rebro mostram que quando as pessoas agem a partir do sentimento de indignação moral (reprimindo o dono de um cachorro que fez necessidades em um parque infantil, por exemplo), o centro de recompensa do cĂ©rebro Ă© ativado: elas se sentem bem com isso. Esse mecanismo acaba reforçando o comportamento e aumentando a probabilidade de o indivĂ­duo voltar a intervir de maneira semelhante no futuro. Embora enfrentar um infrator das normas sociais dentro da sua comunidade traga riscos (vocĂȘ pode ser atacado), tambĂ©m aumenta sua reputação.

    Quem tem a sorte de viver pacatamente, raramente depara com condutas realmente ultrajantes - e dificilmente se vĂȘ diante de manifestaçÔes de indignação moral. Mas basta abrir o Twitter ou o Facebook para vislumbrar um cenĂĄrio bem diferente. VĂĄrias pesquisas recentes mostram que as mensagens com conteĂșdo moral ou emocional sĂŁo mais propensas a se propagar nas redes sociais. Cada palavra com esse tipo de apelo inserida em um tuĂ­te aumenta em 20% a probabilidade de que ele seja retuitado.

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    Postagens com palavras de cunho moral e emocional tĂȘm mais chance de viralizar nas redes sociais

    "O conteĂșdo que desperta e expressa indignação Ă© muito mais provĂĄvel de ser compartilhado", afirma Molly Crockett, diretora do laboratĂłrio.

    O que criamos online Ă© "um ecossistema que seleciona o conteĂșdo mais revoltante, combinado a uma plataforma onde Ă© mais fĂĄcil do que nunca expressar indignação".

    Ao contrårio do mundo offline, existe pouco ou nenhum risco pessoal em confrontar e expor alguém. E isso se retroalimenta.

    "Se vocĂȘ punir alguĂ©m por violar uma norma, isso faz com que vocĂȘ pareça mais confiĂĄvel ao olhar dos outros, entĂŁo, vocĂȘ pode revelar seu carĂĄter moral expressando indignação e punindo as violaçÔes das normas sociais", diz Crockett.

    "Ao passar do modo offline (onde vocĂȘ pode trabalhar sua reputação junto a quem estiver por perto no momento) para online (onde vocĂȘ pode difundir para toda sua rede social), as recompensas pessoais de expressar indignação sĂŁo ampliadas dramaticamente", completa.

    Reforço

    Tudo isso é somado ao feedback positivo que as pessoas recebem, como "comentårios", "curtidas" e "compartilhamentos". Desta forma, as plataformas ajudam a transformar a expressão da indignação em um håbito.

    "E um hĂĄbito Ă© algo que se pratica sem levar em conta as consequĂȘncias", destaca Crockett.

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    A indignação moral online também leva à mudança social: adolescentes da Flórida usaram as redes sociais para mobilizar protestos

    Pelo lado positivo, a indignação moral na internet permite que grupos marginalizados e minoritĂĄrios promovam causas que tradicionalmente tĂȘm menos espaço. As redes sociais conseguiram chamar a atenção, por exemplo, para as campanhas promovidas por mulheres vĂ­timas de abuso sexual. E, em fevereiro de 2018, adolescentes da FlĂłrida ajudaram a mudar a opiniĂŁo pĂșblica, protestando virtualmente contra o tiroteio na escola.

    "Eu acho que deve haver maneiras de manter os benefícios do mundo digital", diz Crockett, "ao pensar com mais cuidado em como redesenhar essas interaçÔes a fim de acabar com alguns dos aspectos mais prejudiciais".

    Efeito dominĂł

    A boa notĂ­cia Ă© que podem ser necessĂĄrias apenas algumas pessoas para alterar a cultura de toda a rede.

    No Human Nature Lab de Yale, Nicholas Christakis e sua equipe estudam maneiras de identificar esses indivĂ­duos e inscrevĂȘ-los em programas de saĂșde pĂșblica que podem beneficiar a comunidade. Em Honduras, essa abordagem estĂĄ sendo usada para influenciar campanhas de vacinação e cuidado materno, por exemplo. Na internet, essas pessoas tĂȘm o potencial de transformar a cultura do bullying em uma postura solidĂĄria.

    É possível transformar a cultura do bullying em uma postura solidária nas redes sociais | Foto: WOCinTech/Creative Commons

    As grandes empresas jå utilizam um sistema rudimentar de identificação dos chamados "influenciadores digitais" para fazer publicidade de suas marcas. Christakis estå analisando, no entanto, não apenas o quão popular é um indivíduo, mas como ele se encaixa em uma determinada rede.

    Em uma pequena aldeia isolada, por exemplo, todos os moradores estĂŁo intimamente conectados e Ă© provĂĄvel que vocĂȘ conheça todo mundo em uma festa. JĂĄ em uma cidade, as pessoas podem estar vivendo bem perto umas das outras, mas Ă© menos provĂĄvel que vocĂȘ conheça todo mundo em uma festa. O quĂŁo profundamente uma rede Ă© interconectada afeta a forma como os comportamentos e as informaçÔes se propagam por ela.

    Para investigar este fenĂŽmeno, Christakis desenvolveu um software que cria sociedades artificiais temporĂĄrias na internet.

    "Apresentamos pessoas a elas, deixamos que interajam e observamos como se comportam em um jogo de bem pĂșblico, por exemplo, para avaliar como sĂŁo gentis umas com as outras."

    Em seguida, o cientista manipula a rede:

    "Ao intervir nas interaçÔes de uma determinada maneira, consigo fazer com que os participantes sejam agradĂĄveis uns com os outros, trabalhem bem juntos, sejam saudĂĄveis, felizes e cooperem. Ou posso pegar as mesmas pessoas, conectĂĄ-las de um jeito diferente, e fazer com que ajam de forma estĂșpida e mesquinha entre si."

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    A comunidade de uma pequena vila isolada funciona de maneira bem diferente de um grupo menos interconectado - e isso se reflete nas redes sociais

    InfluĂȘncia volĂșvel

    Em um experimento, Christakis selecionou desconhecidos aleatoriamente para participar do jogo. Segundo ele, inicialmente, cerca de dois terços deles eram cooperativos.

    "Mas algumas das pessoas com quem vĂŁo interagindo acabam por se aproveitar deles e, como suas Ășnicas opçÔes eram ser gentis e cooperar ou desistir, optam pela Ășltima porque se vĂȘem presos a pessoas que querem se aproveitar deles. No fim do experimento, todos estavam se tratando mal", explica.

    Christakis contornou a situação permitindo simplesmente que cada participante tivesse um pouco de controle sobre quem estava conectado apĂłs cada rodada. Eles precisavam decidir se seriam gentis ou nĂŁo com seus vizinhos e se deveriam continuar com eles na fase seguinte. A Ășnica informação que cada um tinha era se o vizinho tinha cooperado ou desistido na rodada anterior.

    "Conseguimos mostrar que as pessoas cortam laços com os desertores e formam laços com os cooperadores, e que a rede se reconectou". Em outras palavras, se transformou em uma estrutura cooperativa pró-social, em vez de um sistema não-cooperativo.

    Na tentativa de gerar comunidades online mais solidĂĄrias, a equipe de Christakis começou a introduzir bots (perfis controlados por inteligĂȘncia artificial) em suas sociedades virtuais. A equipe nĂŁo estĂĄ interessada em inventar uma inteligĂȘncia artificial super sofisticada para substituir a cognição humana, mas em infiltrar robĂŽs "burros" em uma comunidade de seres humanos inteligentes para ajudĂĄ-los a cooperar uns com os outros.

    Na verdade, Christakis descobriu que, se os bots jogassem perfeitamente, não ajudariam os humanos. Mas se cometessem alguns erros, despertariam o potencial do grupo para encontrar uma solução. Em outras palavras, adicionando um pouco de ruído ao sistema, os bots ajudaram a comunidade a funcionar de forma mais eficiente.

    Uma versĂŁo deste modelo poderia infiltrar de vez em quando postagens com perspectivas diferentes ao feed de notĂ­cias de pessoas tendenciosas, ajudando a tirĂĄ-las de dentro da bolha das redes sociais e permitindo que a sociedade como um todo cooperasse mais.

    Mulheres e representantes de minorias étnicas são desproporcionalmente as maiores vítimas de abusos no Twitter | Foto: WOCinTech/Creative Commons

    Os bots podem oferecer ainda uma solução para outro desafio virtual: muito do comportamento antissocial decorre do anonimato das interaçÔes na internet.

    Um experimento mostrou que o nĂ­vel de ofensas racistas a usuĂĄrios negros no Twitter poderia ser reduzido drasticamente usando bots com fotos de perfil de brancos para responder Ă s postagens racistas.

    "Ei, cara, lembre que existem pessoas reais que se machucam quando vocĂȘ as insulta com esse tipo de linguagem", seria uma possĂ­vel rĂ©plica.

    Redução de danos

    O simples gesto de cultivar um pouco de empatia nos autores dos tuites reduziu os conteĂșdos racistas deles a quase a zero poucas semanas depois.

    Outra maneira de lidar com o baixo risco para reputação do mau comportamento online é criar uma forma de punição social. A empresa de jogos League of Legends introduziu um "tribunal", no qual jogadas negativas são punidas pelos outros participantes. A companhia informou que 280 mil jogadores foram "reabilitados" em um ano após serem castigados, mudando de atitude e causando impressão positiva na comunidade. Os desenvolvedores também poderiam criar recompensas sociais por bom comportamento, incentivando atitudes mais colaborativas que ajudam a construir boas relaçÔes.

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    Para ajudar a mudar o mau comportamento online, uma empresa de games introduziu um recurso no qual os participantes podem punir jogadas negativas
    Limiar

    Os pesquisadores jå estão descobrindo como prever quando uma interação estå prestes a se tornar negativa - ou seja, o momento em que uma intervenção preventiva poderia ser benéfica.

    "VocĂȘ pode pensar que hĂĄ uma minoria de sociopatas online, que chamamos de trolls, que estĂŁo provocando todo esse dano", diz Cristian Danescu-Niculescu-Mizil, do Departamento de CiĂȘncia da Informação da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.

    "Mas, na verdade, o que descobrimos com nosso trabalho Ă© que pessoas comuns, assim como vocĂȘ e eu, podem se engajar nesse comportamento antissocial. Por um perĂ­odo especĂ­fico de tempo, vocĂȘ pode realmente se tornar um troll. E isso Ă© surpreendente."

    Danescu-Niculescu-Mizil tem analisado as seçÔes de comentårios de leitores em artigos publicados na internet. Ele identifica dois gatilhos principais para a "trollagem" (gíria de internet para piadas ou comentårios maldosos): o contexto da conversa - como os outros usuårios estão se comportando - e o humor de quem posta.

    "Se vocĂȘ estĂĄ tendo um dia ruim, ou se for segunda-feira, por exemplo, Ă© muito mais provĂĄvel que vocĂȘ tenha um comportamento negativo", diz ele. "VocĂȘ Ă© mais legal em um sĂĄbado de manhĂŁ."

    Mas, apesar do comportamento lamentĂĄvel que muitos de nĂłs jĂĄ presenciamos online, a maioria das interaçÔes expressam cooperação. E a indignação moral justificada Ă© empregada com eficiĂȘncia no combate a postagens de Ăłdio. Um estudo britĂąnico recente, que analisou o antissemitismo no Twitter, descobriu que os posts que contestam os conteĂșdos antissemitas sĂŁo compartilhados muito mais do que os tuĂ­tes originais. A maioria das postagens de Ăłdio foram ignoradas ou apenas compartilhados dentro das chamadas "cĂąmaras de eco" de perfis semelhantes. Talvez jĂĄ estejamos começando a fazer o trabalho dos bots.
    Velocidade

    Vale lembrar que tivemos milhares de anos para lapidar nossas relaçÔes sociais - e apenas 20 anos nos adaptar às mídias sociais.

    "Offline, temos todas essas dicas, desde expressÔes faciais até a linguagem corporal e a entonação", diz Danescu-Niculescu-Mizil.

    "Online, debatemos as questÔes apenas por meio do texto. Acho que não deveríamos nos surpreender tanto com a dificuldade de se encontrar o caminho certo para discutir e cooperar."

    À medida que nosso comportamento virtual se desenvolve, podemos introduzir tambĂ©m sinais sutis, equivalentes digitais Ă s expressĂ”es faciais, para ajudar a suavizar as discussĂ”es que temos na rede.

    Enquanto isso, o conselho para lidar com o assĂ©dio online Ă© manter a calma. NĂŁo revide. Bloqueie e ignore os agressores, ou se vocĂȘ se sentir confortĂĄvel, diga a eles para parar. Converse com familiares ou amigos sobre o que estĂĄ acontecendo e peça ajuda. Faça capturas de tela e denuncie as ofensas para a rede social em que estĂŁo acontecendo. E, se incluir ameaças fĂ­sicas, avise a polĂ­cia.

    Como usuårios, também podemos aprender a nos adaptar a esse novo meio de comunicação, de modo que a interação civilizada e produtiva que acontece offline seja reproduzida online.

    "Sou otimista", diz Danescu-Niculescu-Mizil.

    "Este Ă© apenas um jogo diferente e temos que evoluir."

    *Este artigo foi publicado pela primeira vez pela Mosaic, da editora Wellcome, e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. A Wellcome tem açÔes no Facebook, Alphabet e outras empresas de mídia social como parte de sua carteira de investimentos.

    BBC
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