Proteína do leite é modificada para aumentar sua digestão em idosos

Além de ser facilmente absorvida pelo organismo, proteína irradiada com luz ultravioleta passou a ter mais qualidade

Aumento da expectativa de vida desafia a sociedade a desenvolver soluções para um envelhecimento mais saudável – Foto: Reprodução/IQSC

Usando luz ultravioleta (UV), pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP conseguiram modificar uma das principais proteínas do leite, a betalactoglobulina, promovendo um aumento de 50% em sua digestão por idosos. Para transformar a proteína, Juliana Fracola irradiou a proteína com luz UV, gerando uma reação que foi capaz de alterar sua estrutura.

O procedimento foi realizado no trabalho de mestrado de Juliana Fracola, orientado por Daniel Cardoso. Depois da irradiação, a “nova” proteína foi adicionada a uma solução que simula as condições gástricas de idosos da saliva até o estômago, visando a verificar a eficiência do processo digestivo. No teste de laboratório, foi obtido um aumento de 50% na digestão da proteína irradiada em comparação com a que não recebeu ação da luz. O método utilizado na pesquisa também foi aplicado para avaliar o processo digestivo em crianças e adultos, e o aumento na digestão foi de 25%.


Betalactoglobulina foi modificada para ser mais facilmente digerida – Foto: Juliana Fracola / Divulgação / IQSC / USP

Além de ser facilmente absorvida pelo organismo, a proteína irradiada com a luz passou a ter mais qualidade, pois gerou peptídeos (pequenos fragmentos de proteínas) com funções antioxidantes, anti-hipertensivas e ansiolíticas. “Podemos imaginar, por exemplo, que, se uma pessoa consumir certa quantidade dessa proteína diariamente, poderá ter um maior controle da hipertensão”, explica Daniel Cardoso.

No trabalho, os pesquisadores utilizaram um tipo de luz ultravioleta conhecida por sua função bactericida e esterilizante, a qual já era empregada no tratamento de alimentos para destruir microrganismos. No entanto, os cientistas não imaginavam que a luz UV poderia facilitar a digestão de proteínas. “A pesquisa mostrou uma alternativa capaz de aliar a produção de alimentos nutritivos, com maior qualidade e altamente digestíveis. Isso será muito benéfico ao processo de envelhecimento da população”, diz Juliana Fracola, que foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Daniel Cardoso e Juliana Fracola descobriram que a luz ultravioleta pode facilitar a digestão de uma das proteínas do leite – Foto: Henrique Fontes / IQSC

A betalactoglobulina é a principal proteína do soro do leite e, devido a sua formação estrutural, associada à menor capacidade de mastigar e à reduzida atividade gástrica de idosos, tem sua digestão dificultada no estômago. Essa resistência, inclusive, pode causar alergias, como se fosse uma resposta do organismo que deseja metabolizá-la, mas não consegue. O leite é composto de água, lipídeos, lactose e proteínas, além de ser fonte de cálcio e vitaminas.

Diversas alterações fisiológicas estão associadas ao envelhecimento, como a osteoporose, mudanças nas funções cerebrais, cardiovascular, metabólica e a aparição de sarcopenia – perda natural e progressiva de força e massa muscular. Todos esses problemas podem diminuir a qualidade de vida e a capacidade dos idosos de realizarem atividades básicas do dia a dia. 

Alternativa promissora

Em 2030, o número de idosos do Brasil ultrapassará pela primeira vez o de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, segundo o IBGE – Foto: Pixabay / Reprodução / IQSC / USP

A pesquisa desenvolvida no IQSC poderá trazer benefícios não só para os consumidores de produtos lácteos, mas também para a indústria de laticínios, que busca processos energeticamente mais baratos, com menor tempo de execução e que atendam à demanda nutricional diária da população. Enquanto as técnicas que envolvem o aumento de temperatura para tratar o leite, como a pasteurização, possuem alto custo energético e podem comprometer a qualidade da mercadoria, alterando sua cor, sabor ou até destruindo suas proteínas, a utilização da luz ultravioleta nesse processo traz diversas vantagens. “Além de apresentar um custo 250 vezes menor que a pasteurização, o tratamento do leite com a luz UV aumenta o tempo de prateleira do produto, modifica menos suas características originais, reduzindo a perda de nutrientes, e tem a mesma segurança alimentar do procedimento tradicional”, explica Daniel Cardoso.

Do ponto de vista industrial e econômico, a exploração das proteínas do soro do leite é de grande relevância. Além de ser importante para a produção de diversos produtos, como biscoitos, iogurtes e suplementos alimentares, o soro do leite atua no estímulo de ganho de massa muscular, manutenção da saúde óssea e ainda contribui para a perda de peso, já que reduz a sensação de fome e a produção de gordura corporal. Há cerca de dez anos, todo esse potencial não era aproveitado, tanto que o soro do leite era considerado resíduo e servia de ração para animais. Com o interesse da academia em pesquisar sobre o produto e a abertura do mercado para sua utilização, esse cenário tem mudado.

Juliana Fracola: técnica utilizada na pesquisa é benéfica tanto para os consumidores como para a indústria de laticínios – Foto: Henrique Fontes / IQSC

Segundo o professor, há uma força-tarefa mundial que visa ao desenvolvimento de proteínas mais nutritivas, e o desafio tem instigado centenas de cientistas. Agora, a partir dos resultados apresentados no estudo de Juliana, os pesquisadores buscarão aprimorar a proteína irradiada com a luz com o objetivo de aumentar ainda mais sua qualidade. O docente afirma que o procedimento adotado no trabalho já está pronto para a utilização na indústria, podendo ser aplicado diretamente no soro do leite para modificar a estrutura da betalactoglobulina.

A pesquisa desenvolvida faz parte do projeto temático Novel aging: tecnologias e soluções para fabricar novos produtos lácteos para um envelhecimento saudável, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com a Innovation Fund Denmark. Além do IQSC, estão envolvidas no projeto as duas unidades da Embrapa em São Carlos, a Instrumentação e a Pecuária Sudeste, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e a Universidade de Copenhagen, da Dinamarca.

Por Henrique Fontes/Assessoria de Comunicação do IQSC
JORNAL DA USP | Editor Local: Willen Benigno Moura

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